28 de maio de 2015

Vias e Estilos

A maneira como o desafio imposto pelas montanhas é resolvido, determina o estilo dessa escalada, ou seja, quais os artifícios, técnicas, estratégias, entre outras que foram utilizadas pra ir ao topo.

Dentro de uma visão mais purista, é aceito que a forma mais honesta de escalar uma montanha é através dos seus próprios esforços utilizando menos artifícios. Sendo assim, a escalada em solo integral seria uma maneira bem justa de subir uma montanha, um ótimo estilo.

Há escaladas que com o passar do tempo vão sofrendo alterações em seu estilo, e pouco a pouco vão mudando, até passarem a serem concluídas rotineiramente de uma outra maneira e não mais da forma original da primeira ascensão. Vias que antes eram feitas em artificial passam a ser escaladas em livre, por exemplo. Essa "evolução" na forma da escalada, não deve nunca passar por cima do direito autoral de conquista (saiba mais), que justamente serve pra preservar a pluralidade de  estilos. 

É fato que muitas escaladas passam por essa transformação, exemplos não faltam de vias que com o passar dos anos mudaram a forma como são escaladas, pra citar alguns: via do Compressor no Cerro Torre, antes feita em artificial fixo em grampos e hoje feita em livre com o maior número de proteções móveis possíveis, a via Enferrujado na parede do Abrolhos conjunto Marumbi, o Lagartão no Pão de Açúcar, assim como o próprio Everest quando foi escalado pela primeira vez sem oxigênio mudou o estilo e quiça um dia, seja escalado apenas dessa maneira!

Para os escaladores de Joinville, o Morro do Finder é o setor mais próximo, localizado praticamente no centro da cidade. Possui algumas boas vias e vários boulders de qualidade em um quartizito bem sólido de excelente textura.

A via Aeds Egipt (8b) foi a primeira a ser aberta no setor Pedra do Veloso, por volta de 95 ou 96, por muitos anos foi feita com corda por cima, e assim em "top rope" fiz a cadena em 98. Com o passar do tempo decidimos equipá-la para que pudesse ser feita guiando, isso foi em 2004. 
A via, naquele momento, sofreu uma transformação de estilo e posso afirmar que promoveu uma evolução na escalada local. Outras vias similares surgiram no setor e muitos escaladores puderam encadenar guiando o seu primeiro 8.o grau. 

O tempo passa e a evolução não para. 
Hoje a via vem recebendo várias ascensões em um estilo conhecido como "High Ball", que são lances realmente altos feitos em boulder, com a segurança feita com colchões e alguns amigos. Mesmo ainda não sendo o estilo "oficial" dessa escalada, acredito que em breve com a evolução das técnicas e equipamentos, essa talvez seja a maneira mais corriqueira de encadenar esse desafio.



19 de maio de 2015

IMPRESSÕES Valle Cochamo


O montanhismo em sua essência, é um exercício pela busca do desconhecido, ir atrás do novo, a procura de aventura e consequentemente da superação de desafios. Um lugar novo pra explorar e todos os seus desdobramentos, resultam numa viagem com muito aprendizado, num melhor conhecimento de si mesmo e do espaço que escolhemos a interagir.

Cerro Trinidad, uma das principais montanhas do vale Cochamo.

Desfrutar o passar dos dias na montanha, em busca de aventura, longe das comodidades urbanas, nos permite viver dias intensos. Temos a chance de respirar um ambiente mais puro e com menos interferências. Aos poucos, cada vez mais conectado, a cada dia mais íntimo, mais focado em empurrar os limites pessoais, parafraseando Messner: são os dias em que realmente vivemos.

Anfiteatro de montanhas

Parede norte do Trinidad, vias entre 700 e 1000 metros.

As montanhas ao longo do vale do rio Cochamo são encantadoras. Suas grandes paredes brancas, recortadas por fendas num sólido granito, propiciam uma escalada em terreno de aventura sensacional. 

Rio Cochamo e as primeiras montanhas surgindo no decorrer da caminhada de aproximação

Apesar de ter vias para todos os gostos e níveis, são as grandes montanhas com suas paredes verticais que chamam a atenção, inseridas em um ambiente amplo e grandioso, na cordilheira dos Andes.

                           Pared del Tiempo

Predominam escaladas de grandes paredes  em terreno de aventura, algumas em artificial, mas a maioria em livre, normalmente seguindo sistemas de fendas de variados tamanhos. Algumas escaladas podem levar alguns dias para subir e ultrapassam os 1500 metros de comprimento. 

Liderando uma cordada da via EZ Does It (5.10d)  no Trinidad.

A trilha pelo bosque, os rios ao longo do vale, a base da montanha, a parede e suas linhas, o cume. A cada passo, novos aprendizados fundem-se com os já sabidos. Momentos de apreensão e de pura euforia se confundem ao longo da jornada. Tempo de agir com atitude e tempo também de contemplar e agradecer. Cada escalada é uma experiencia única e enriquecedora, independe do desfecho, o valor é medido pelo aprendizado de viver o momento presente que escolhemos com sabedoria e arrojo.

Tempo melhorando após a tormenta.

Essas montanhas ficam localizadas bem próximas ao mar, na patagonia chilena, no lado oeste da cordilheira. O clima dessas montanhas sofre bastante influência do oceano Pacífico, criando ambientes úmidos com bastante precipitação. O resultado são grandes vales com rios caudalosos e uma mata abundante e esplendorosa conhecida como floresta Valdiviana. Entrando na cordilheira o cenário é preenchido com lagos, rios, paredes rochosas, vulcões e cumes nevados.

Vale do rio Cochano e Cerro Trinidad ao fundo
Cerro Tronador

"Quien no conoce el bosque chileno, no conoce este planeta. De aquellas tierras, de aquel barro, de aquel silencio, he salido yo a andar, a cantar por el mundo."
Pablo Neruda 

Bosque de Alerces a caminho da base do Trinidad

Subindo o vale, inicio da caminhada para La Junta

A qualidade da rocha é excepcional, o granito sólido possui uma boa textura, por vezes polido, mas no geral com boa aderência. As fendas variam de acordo com o setor, normalmente são perfeitas e fáceis de proteger, porém é comum fendas abertas que dificultam a colocação, principalmente nas áreas mais baixas.

Subindo um diedro perfeito e contínuo na via Camp Farm Cerro La Junta

Cerro Trinidad

Subimos o vale durante o mês de fevereiro e o bom tempo nos propiciou conhecer uma boa parte dessas montanhas, seus caminhos e segredos. Realizamos boas escaladas, algumas vias nos levaram ao cume, outras a lugares incertos, em todas acumulamos experiencias e momentos espetaculares. 

Dia de bom tempo nas montanhas, puro desfrute.

Acampamento base em La Junta 
Com o objetivo de repetir algumas vias aos principais cumes e fazer um bom reconhecimento adotamos a seguinte estratégia: Fizemos a caminhada de aproximação e montamos o acampamento base em La Junta que é o ponto de partida para as principais montanhas. Subimos leves e parte dos equipamentos e alimentação vieram a cavalo. Começamos escalando nas paredes mais baixas e perto do acampamento. 

Parede La Zebra, boas vias para sentir a rocha, ao fundo rio Cochamo e o  camping La Junta

Após o período de adaptação, fomos para as montanhas mais distantes, o plano então foi levar equipamentos e comida para ficar por alguns dias, escalar o máximo possível e voltar para o acampamento. Em uma janela de mau tempo escalamos em um setor esportivo próximo, chamado Paredes Secas.

 
Vias esportivas setor Paredes Secas

Puro desfrute Cerro La Junta

Saindo para entrar em sintonia, via Camp Farm Cerro La Junta.
Os setores onde encontram-se as principais montanhas e vias são chamados de Trinidad e Anfiteatro. Do acampamento La Junta até os acampamentos superiores próximo as base das paredes são cerca de 2 a 3 horas, ou ainda um pouco mais se estiver levando muito peso. O ideal é subir para passar alguns dias e aproveitar ao máximo as janelas de tempo bom.

Cerro Trinidad Norte

TRINIDAD

Essa área é composta por diversas montanhas e paredes, onde as principais são os Cerros Trinidad Norte, Central e Sul, Gorila, El Monstruo entre outras. 

Arthur saindo pra última cordada da via El Gendarme, Cerro Trinidad

Nosso acampamento na base da parede principal do Trinidad.
Fendas perfeitas e placas lisas!!

Nereida na parte alta da via EZ Does It




         
        Toda a verticalidade do Cerro Trinidad
Cume Cerro Trinidad

Descendo porque o cume é só metade do caminho.

ANFITEATRO

Como o próprio nome sugere esse setor é um anfiteatro composto por várias montanhas com paredes que ultrapassam os 1000 metros verticais.

Setor Anfiteatro visto de La Junta
Via Aleta Del Tiburon

Partindo pra mais um dia de escalada, Anfiteatro

Cume Parede del Tiempo
"...Bajo los volcanes, junto a los ventisqueros, entre los grandes lagos, el fragante, el silencioso, el enmarañado bosque chileno..." Neruda

Vulcão Osorno
Bivaque para as paredes do Anfiteatro

Pra cima!!!
Se o objetivo for fazer escaladas inéditas o vale tem muito ainda a oferecer. Apesar de as principais montanhas e paredes já terem sido escaladas, o potencial ainda é incrível, são muitas as linhas perfeitas ainda esperando a primeira ascensão.


                          Paredes do vale do Trinidad
Liderando as primeiras cordadas da via Excelente Mi Teniente

Arthur puxando corda em uma enfiada da via Excelente Mi Tienente (5.11a) 

Apoio: Hard Adventure, Resseg, Jurapê Aventura, Salamandra Escola de Montanha.

Mais informações sobre Cochamo em cochamo.com




1 de dezembro de 2014

Boulder SãoChico

Mais um projeto realizado com competência, qualidade e amor!!!
Clip Tiriú sobre escalada de boulder na ilha de São Francisco do Sul!!
Vale o Play!!!





27 de outubro de 2014

ESTILO AVENTURA - MORRO DA CRUZ

Alecsandro Urbano chegando na P3 da via Penélope (5. 7b E3)
Projeto Guiando Todas

No começo da temporada Urbano veio me dizer que estava com a intenção de guiar todas as vias do Morro da Cruz, me mostrou um croqui rascunhado com vias e estratégias. 
Fiquei feliz em saber de seu projeto pessoal e ofereci minha ajuda no que fosse possível.
Escalar todas as vias do morro, com certeza vai lhe preparar pra grandes montanhas. 
Sou grato por seguir na vanguarda e servir de referencia a uma nova geração de Montanhistas dispostos a empurrar os limites!!!!

Para quem nunca ouviu falar do Morro da Cruz, guiar as 13 vias pode parecer simples, porém quem conhece, sabe a evolução, o comprometimento, o desenvolvimento físico e principalmente mental que o escalador deve ter.

Para os escaladores da região, a face leste do morro é uma excelente escola de ESCALADA DE AVENTURA. 
São 18 opções entre vias e variantes abertas no estilo TRADICIONAL, vindo de baixo pra cima ao longo de 24 anos de conquistas.

Vista geral da parede do Morro da Cruz
Pelo fato de ser uma escalada que exige certo COMPROMETIMENTO, não é um setor popular, apesar de sempre ser bem frequentado e nunca ter ficado abandonado. 
Em todos esses anos, muitos tiveram o privilégio de aprender nessa parede, sendo repetindo ou abrindo novas vias, fazendo manutenção ou curtindo o visual do cume após um bom dia de escalada.
O morro com certeza, foi e segue sendo um "campo de provas" para gerações de escaladores locais.

Lola na fenda da via Morceguinho (3. 5sup  E2)


Quem inaugurou a parede foi Bito Meyer e cia. com as vias Sambaki (4. 5sup E3) e Vó Laudi (5. 6sup E3) em 1990, e desde então o estilo aplicado no morro foi baseado nesse padrão. Ou seja, vias de aventura, modernas, utilizando equipamento móvel quando possível e sempre abertas vindo de baixo. A maioria no padrão de exposição E3. 

Reginaldo Carvalho tocando pra cima na Vó Laudi (5. 6sup E3)


Gavião Tesoura, vem lá da Amazônia pra curtir a primavera no morro.
Rafael dominando o teto da Overdose.

Urbano concluiu seu projeto a alguns dias atrás de forma impecável.
Foram aproximadamente 32 cordadas de aventura.

Vejam abaixo seu relato sobre o projeto.

Urbano na cadena da terceira cordada da Penélope 7b técnico.

Poder escalar no Morro da Cruz é desfrutar do melhor estilo escalada de aventura da região. 

Desde quando comecei a dar os primeiros passos em vias tradicionais, sempre tive a curiosidade de saber como seria a adrenalina ao me aventurar nas linhas deste morro, que até então, me pareciam assustadoras. 

P2 da via Dá ou Desce.

Durante um ano procurei escalar diversas vias no Morro da Palha, mas sempre imaginando como reagiria diante da exposição, proteções em móvel e ancoragens naturais que a montanha proporciona. 
Após passar a fase de aprendizado, iniciei as primeiras guiadas na Cruz escalando as vias com menor grau de dificuldade (Morceguinhos e Me Chama que eu vou) para assim poder me adaptar ao estilo e aprender aos poucos como se escalava no local.



Com o passar do tempo descobri que as vias que tanto foram tratadas como “mitos” por outros escaladores, na verdade são lindas linhas para serem repetidas, com características diversas, que proporcionam muito aprendizado das técnicas de escalada em grandes paredes. Uma por uma as vias foram sendo repetidas e os “mitos” foram sendo desmistificados.

O projeto de escalar todas as vias do morro da cruz foi iniciado no começo da temporada de 2014, quando decidi me dedicar exclusivamente para as vias tradicionais. Por meio de um croqui impresso, fiz uma relação das cordadas que eu já havia escalado Guiando e de Participante, podendo assim organizar a estratégia.

Durante o ano inteiro o projeto trouxe diversos pontos positivos para a escalada no morro. Muitos escaladores contribuíram para sua conclusão, ajudando na regrampeação, limpeza e manutenção de vias, acessos e bases. Destas, posso citar quatro vias (Sambaki, Penélope, Macarrão com Farinha e Vídia Dura) nas quais trabalhamos, eu e Daniel J. Casas, para reativá-las e assim poder concluir o projeto.

P3 da via Macarrão com Farinha e baia Babitonga ao fundo

Tive dois momentos, entre os mais emocionantes, que passei durante essa experiência. Primeiro, a entrada à vista nas ultimas cordadas da via Penélope Charmosa (5º 7b E3) em uma bela noite de lua cheia com o escalador Rafael Alquieri, que também ficou na parceria durante todo o tempo. E a queda que sofri ao guiar a ultima cordada da via Vídia Dura (6º 8a E3), que veio a me fortalecer ainda mais e me trouxe grandes aprendizados.

Via Penélope Charmosa.

Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para a conclusão deste projeto. Deixo aqui o meu convite para quem quiser conhecer o Morro da Cruz. 
Aproveitem a escalada, o Estilo Tradicional do morro, respeite a natureza,  conquistadores e todos aqueles que escalam por amor e não por opção.

MC KDNA amarradão.

Hoje a parede está 100% regrampeada. Todas as vias, bases e acessos limpos. Trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos pela COMUNIDADE LOCAL DE ESCALADORES em parceria com a iniciativa privada e associação local.

Espero sinceramente que esse exemplo de dedicação e visão, se perpetue entre a comunidade e expanda-se por gerações disposta a aprender, respeitar e empurrar os limites. 

Rafael Alchieri mandando "a vista" a Overdose de Lucidez (5. E2)